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A bacia e o bebê

A bacia e o bebê

A imagem não é original. Ao contrário, é uma metáfora bastante conhecida.  Refere-se ao erro daqueles que, em vez de jogar fora a água suja da bacia após o banho de um bebê, terminam por descartar a criança junto. A popularidade dessa história é correspondente à frequência em que ocorrem situações nas quais ela pode ser aplicada. 

 

Se o objetivo é destravar o licenciamento, a solução não é fragilizar a legislação

Infelizmente, um episódio semelhante ocorreu há poucos dias. Foi a aprovação no Senado de um projeto de lei que altera significativamente as regras do licenciamento ambiental no Brasil.

 

Sob o pretexto de “destravar” ou “desburocratizar” projetos importantes de infraestrutura (descartar a água suja), arrisca-se jogar o bebê para fora da bacia, isto é, fragilizar um dos alicerces da legislação ambiental, inclusive ferindo princípios basilares da Constituição.

 

É fato que existem inúmeros problemas nos processos de licenciamento ambiental. Porém, as suas causas residem menos na legislação e mais na deliberada fragilização dos órgãos ambientais, esvaziados de recursos humanos e financeiros ao longo dos anos.

 

 

O licenciamento ambiental é um instrumento essencial para garantir que empreendimentos potencialmente impactantes sejam analisados com rigor técnico e transparência e sua aprovação atenda padrões de qualidade ambiental e medidas condicionantes e compensatórias. Não se trata de um capricho regulatório, mas de um mecanismo que busca o equilíbrio entre desenvolvimento e preservação ambiental. A eventual demora no procedimento, frequentemente utilizada como argumento para flexibilizar regras, é consequência direta da escassez de profissionais qualificados e da insuficiência de infraestrutura nos órgãos responsáveis. Reduzir exigências legais não corrigirá essa distorção; pelo contrário, apenas abrirá margem para maiores riscos ambientais.

 

O enfraquecimento dos órgãos ambientais não é obra do acaso. Ele reflete uma ação sistemática e contínua de redução da capacidade estatal de fiscalização, favorecendo interesses imediatistas em detrimento da sustentabilidade.

 

Sem dúvida, a legislação vigente é passível de aprimoramento. A proposta da Licença por Adesão e Compromisso pode ser adotada, desde que limitada a projetos e atividades de pequeno porte, baixo impacto e que não envolvam áreas sensíveis. Por sua vez, a proposta da Licença Ambiental Especial, a pretexto de “projetos estratégicos”, reabre a possibilidade de tragédias ambientais de grande dimensão como as observadas em Tucuruí e Belo Monte.

 

Se o objetivo é destravar o licenciamento, a solução não é fragilizar a legislação, mas fortalecer a gestão ambiental com investimentos em estrutura, tecnologia e pessoal capacitado. Caso contrário, guardaremos a água suja jogando fora o bebê.

 

PS 1: O comportamento dos representantes do povo que agrediram verbalmente a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, convidada a comparecer a uma comissão parlamentar no Senado, foi indigno, indecente, indecoroso e inaceitável. O Parlamento é, por excelência, o local em que as divergências políticas devem ser explicitadas com clareza, autenticidade e até veemência, mas sempre com respeito e civilidade. A grosseria e a misoginia explícitas ofenderam não apenas à ministra ali presente, mas a todos os cidadãos que reverenciam as instituições democráticas.

 

PS 2: Causa tristeza, embora não surpresa, o silêncio diante desse deplorável episódio por parte de várias lideranças expressivas na vida pública que, pelo fato de divergirem de algumas ou de todas as ideias da ministra, preferiram não lhe expressar solidariedade, mas desviar o olhar e fugir do assunto. Não é esperteza, é fraqueza.

 

Luiz Henrique Lima é professor e conselheiro independente certificado.

 

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