Brincadeiras de rua

Na minha infância, morava numa casinha sem quintal, e nossas brincadeiras aconteciam na rua.

Jogávamos amarelinha na calçada, no larguinho em frente à casa, na rua de Baixo, no córrego da Prainha, no morro da Luz, na Praça Alencastro, no campinho atrás da Catedral.

O que não faltava era rua para a criançada se divertir.

Quando nos mudamos para o casarão da rua do Campo, além dos imensos quintais, a rua nos oferecia um mundo de possibilidades.

Havia partidas de bolita nas calçadas de terra, futebol na rua, brincadeiras de esconde-esconde, soltura de papagaios e rifas improvisadas.

Os meninos da minha geração — quase centenários hoje— brincavam, e muito nas ruas tranquilas de Cuiabá.

Alguns, que estudavam fora, ao voltarem, encontravam as ruas exatamente como haviam deixado.

As bolitas escondidas nos buracos dos muros dos casarões, continuavam lá, intocadas.

Cuiabá era uma cidade onde as crianças brincavam na rua.

Tomar banho de chuva era uma verdadeira festa — para desespero da nossa mãe!.

Inesquecível a brincadeira do Judas: bonecos de pano pendurados em postes, malhados com entusiasmo no sábado de aleluia.

As fogueiras nas festas juninas e os fogos de artifício — traques e fósforos de cor — eram os preferidos da garotada.

Sentar-se nas calçadas à noite e ouvir histórias de terror contadas belas babás era um ritual delicioso.

O esconde-esconde ganhava outro sabor quando morávamos na rua de Baixo.

Brinquedos de madeira, como caminhõezinhos, eram exibidos com orgulho nas calçadas nos aniversários e no Natal.

Perdíamos a noção do tempo, e minha mãe vinha nos buscar, com leves broncas.

Na vida há hora para tudo — inclusive para brincar.

Meu pai passava o dia no bar, e a disciplina da casa era tarefa da minha mãe.

Ele adorava nos presentear e se alegrava ao saber que estávamos brincando.

Meus bisnetos não sabem o quanto era gostoso brincar nas ruas!.

Hoje, eles brincam nos shoppings...

Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado